segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Liners de Silicone


Um breve histórico dos encaixes das próteses

Como protesistas, um sério problema que enfrentávamos na adaptação de próteses em pessoas portadoras de amputações de membros inferiores e superiores era o de  proporcionarmos os devidos conforto e segurança na ligação entre o amputado e a prótese, ou seja, na forma de suspensão e anatomia do encaixe da prótese. Devido aos sistemas existentes, havia a dificuldade de conseguirmos uma boa suspensão das próteses onde, a princípio, nas amputações transtibiais, tínhamos que lançar mão de acessórios de couro envolvendo a coxa, fixados às próteses por meio de pesadas hastes metálicas articuladas, os conhecidos coxais, ou ainda, cintas envolvendo a região supracondiliana e até mesmo cintas presas à cintura. Depois vieram os formatos diferentes de encaixes como o PTK que envolvia a patela e foi largamente utilizado nas amputações proximais de tíbia e finalmente o mais conhecido de todos, o encaixe KBM que, por seu formato, faz uma pressão na região supracondiliana conseguindo assim uma boa suspensão da prótese sem a necessidade de outros acessórios. Mas continuávamos com o problema do conforto pois a solução viável de interface entre o coto e o encaixe da prótese, era de construirmos cartuchos internos de E.V.A., o paciente tinha que fazer uso de meias de algodão, a higienização possível não era a mais adequada além de a segurança não ser totalmente eficiente pois dependíamos do formato e pressão exercida na região supracondiliana para termos uma suspensão que, para atividades de mais exigência, não se conseguia toda a segurança necessária quanto à suspensão, e o desconforto e a insegurança, portanto, continuavam sempre presentes.

Também nas amputações transfemorais, a princípio era necessário o uso de cintos para manter a suspensão das próteses e com a evolução do formato do encaixe, saímos dos encaixes de formato quadrilateral com apoio isquiático para formatos mais anatômicos como os de contenção isquiática em formato ovolongitudinal (CAT-CAM) e mais recentemente os encaixes M.A.S. Também na forma de suspensão dos encaixes para amputações transfemorais deixamos a utilização dos cintos e passamos a utilizar o sistema de suspensão a vácuo, porém, muitos pacientes relatavam dificuldades de aprendizado e de aplicar a técnica correta para calçar a prótese para obter a suspensão e o posicionamento adequado, enfim, persistindo assim o desconforto e a insegurança. Da mesma forma ocorria com os amputados de membros superiores onde as únicas opções que tínhamos de fixação, ou seja, de suspensão, seria buscando apoios sobre proeminências ósseas, como por exemplo, os epicôndilos, ou lançando mão também de cintos e tirantes extremamente incômodos e de pouca praticidade.

E agora?

Finalmente surgiram os “Liners de Silicone” e também posteriormente de outros materiais como uretano, gel de silicone, etc. A princípio, a maioria dos liners utilizava um pino na extremidade distal  que se fixava em um dispositivo adaptado à prótese denominado de “shuttle lock”, proporcionando, assim, uma boa e eficiente suspensão aliado ao conforto proporcionado pelo silicone, mas que em alguns casos, acabava sendo um problema para aplicação em cotos mais longos. Também surgiram os liners sem pino que substituíam os cartuchos de E.V.A. e proporcionavam um conforto muito superior. Por conseqüência do grande sucesso obtido com a utilização dos liners na protetisação, a princípio, de amputados transtibiais, essa utilização evoluiu também para as amputações transfemorais e de membros superiores.

O mais importante a se destacar, é que a implementação dos liners na protetisação de amputados de membros inferiores e superiores chegou proporcionando um conforto e uma segurança até então não conseguida por nenhuma outra técnica. E agora, mais recentemente, com o desenvolvimento do sistema mais conhecido como de “válvula de expulsão”, onde criamos um eficiente vácuo entre o liner, que fica em contato com o coto, e o encaixe da prótese, através da utilização de uma joelheira que recobre ambos, proporcionando a devida vedação, e com a possibilidade da utilização de acessórios como bombas adaptadas às próteses e conectadas aos encaixes para aumento da eficiência na sucção existente entre o liner e o encaixe, incrementado ainda pelo desenvolvimento de formatos de encaixes mais anatômicos, onde não se concentra mais a carga em determinados pontos nos cotos de amputação, chegamos finalmente àquela tão procurada e desejada segurança e ao tão almejado conforto na utilização de próteses, pelos portadores de amputações de membros!

Porém ainda restava um problema crucial: O CUSTO! Esses sistemas eram muito caros, os liners e joelheiras, ou os “liners de pino”, as válvulas de expulsão de ar, as bombas auxiliares, os shuttle lock, todo esse novo sistema acabava sendo restrito às classes mais abastadas da sociedade. Devido ao alto custo desses sistemas, poucos tinham acesso a tal tecnologia. Mas esse quadro também vem mudando!

Com a constatação da grande vantagem desse sistema, em relação aos anteriores, as empresas vislumbraram o grande potencial desse mercado e passaram a desenvolver produtos com qualidade equivalente e com custos mais acessíveis e por conseqüência, as empresas que já produziam tais produtos como liners, joelheiras, bombas auxiliares de sucção, shuttle lock e válvulas de expulsão, otimizaram seus custos possibilitando adequarem-se a essa nova realidade, tornando-se assim essa tecnologia acessível a uma grande parcela da população.

Com a diminuição de custos que verificamos atualmente no sistema de protetisação com a utilização de liners, vislumbramos que essa tecnologia brevemente chegue ao sistema SUS. Inclusive, já temos notícias de alguns sistemas credenciados ao SUS, que já estão fornecendo essa tecnologia aos segurados.

Cabe agora a todos e a cada um de nós, trabalharmos no sentido de sensibilizarmos o governo quanto à importância de uma eficaz reabilitação das Pessoas Portadoras de necessidades Especiais, disponibilizando para elas as tecnologias existentes. Todos sabemos que uma pessoa mal reabilitada, custa mais para os sistemas do governo (SUS, INSS, etc.), se contemplarmos essas pessoas com as tecnologias adequadas, ou seja, se priorizarmos a qualidade na reabilitação e, obviamente, com a possibilidade dessa qualidade estar adequada a um custo viável ao sistema de saúde,  porque não trabalharmos no sentido de fazer as adequações necessárias na legislação vigente? A Associação Brasileira de Ortopedia Técnica (ABOTEC), tem uma proposta de mudança na forma de concessão de órteses e próteses ortopédicas no Brasil que foi elaborada nesse sentido, ou seja, priorizar a qualidade, na confecção das órteses e próteses, sempre trabalhando dentro de uma ótica de custos reais, sem onerar os cofres públicos (ver http://www.abotec.org.br/site2/lei_de_concessao_resumo.pdf ).

Enfim, a tecnologia de utilização de liners na protetisação de amputados, veio para ficar e vislumbramos um futuro muito próximo de uma real popularização dessa tecnologia no Brasil, é uma questão de tempo, de pouco tempo.

Joaquim Cunha
Ortesista-Protesista
Graduado pela Universidad Don Bosco – El Salvador
Diretor da São José Ortopédicos
Presidente da ABOTEC
Presidente da ISPO-Brasil